Desde o início do seu Pontificado o Papa Francisco tem convidado a Igreja a “sair”, para que essa alegria do Evangelho seja comunicada a todos, especialmente as periferias.
No encontro com os argentinos durante a JMJ disse: “... quero que saiam, quero que a Igreja saia pelas estradas, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos defendamos do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é viver fechados em nós mesmos. As paróquias, as escolas, as instituições são feitas para sair; se não o fizerem, tornam-se uma ONG e a Igreja não pode ser uma ONG”.
É que esse sair é algo próprio da Igreja, que sempre esteve presente em nossa história. Esse dinamismo de “saída” aparece constantemente na Sagrada Escritura. Deus pede aos seus filhos para saírem. A Abraão pediu para abandonar a sua terra e partir para uma nova terra (Gn 12, 1-3). Moisés foi chamado a sair do Egito e partir com o seu povo rumo à terra prometida (Ex 3,17). A Jeremias disse: “Irás aonde Eu te enviar” (Jr 1,7). Jesus viveu toda a sua vida pública em “saída” e convidava os seus discípulos a fazerem o mesmo. Uma de suas últimas palavras foi “Ide e fazei discípulos entre as nações!” (cf. Mt 28,19).
Podemos dizer que a missão está no DNA do cristão. Sendo assim esse convite do Papa Francisco ganha ainda mais força: “todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG, 20).
A alegria do Evangelho é missionária. E quanto mais comunicamos essa alegria, mais nos alegramos. Nossa experiência é muito parecida com a dos setenta e dois discípulos que voltam da missão cheios de alegria (cf. Lc 10,17). Basta lançarmos a Palavra nos corações e vermos como Deus dará frutos...
Essa alegria não deve ser negada a ninguém, é uma alegria para todos: “Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém” (EG, 22).
Para comunicar a alegria de uma forma eficaz o Papa nos convida a cinco atitudes, que ele caracteriza como próprias de uma Igreja “em saída”: “primeirear”, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar.
“Primeirear”, neologismo que o Papa Francisco usa no documento, é tomar a iniciativa, como Senhor faz com a gente: “tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos [...] Ousemos um pouco mais no tomar a iniciativa!” (EG, 24).
Jesus envolveu-se, lavou os pés dos seus discípulos, primeiro deu o seu exemplo e os convidou a fazerem o mesmo: “Sereis felizes se o puserdes em prática” (Jo 13,17). “Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e assumem a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo.” (EG, 24). Envolvendo-se ficam com “cheiro de ovelha”, algo que o Papa Francisco pediu aos bispos e padres, na Missa do Crisma do ano passado.
Parte do processo de envolvimento é o acompanhar. Devemos acompanhar “a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam [...] A evangelização revela muita paciência, e evita a considerar as limitações” (EG, 24). Acompanhemos especialmente os jovens e os anciãos como nos pediu o Papa Francisco.
A Igreja busca frutificar, pois o Senhor a quer fecunda. Ela “cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo, não tem reações lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos” (EG, 24).
Qual é a minha atitude diante das dificuldades da missão? Sigo o conselho do Papa Francisco ou coloco desculpas para não me lançar porque encontro problemas na minha comunidade? Imagina se Cristo desistisse da gente todas as vezes que sou infiel ao seu amor... Não tenhamos medo de dar frutos. Tenhamos paciência e a confiança no Senhor, pois é Ele quem dá os frutos através de nós:
“A pessoa sabe com certeza que a sua vida dará frutos, mas sem pretender conhecer como, onde ou quando; está segura de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor [...] O Espírito Santo trabalha como quer, quando quer e onde quer” (EG, 279).
Por fim, é muito importante saber festejar, celebrando cada pequena vitória, cada passo que avançamos na evangelização. Como várias vezes somos especialistas em encontrar defeitos nas coisas, em evidenciar o negativo de uma iniciativa evangelizadora! Mesmo que 99% foi positivo, ás vezes preferimos ficar nesse ínfimo 1% e esquecer todo o bem que fizemos. Sejamos mais alegres, agradeçamos mais a Deus pelas vitórias na missão.
Uma forma privilegiada de festejarmos é participarmos da Santa Missa. “A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar” (EG, 24). É na Eucaristia que partilhamos com nossos irmãos as alegrias e encontramos a força para seguir fazendo o bem.
Seguiremos aprofundando sobre como comunicarmos melhor a alegria do Evangelho, mas não esqueçamos desse pedido do Papa Francisco: não tenhamos medo de sair ao encontro de todos os que necessitam, guiados pelas mãos amorosas de Maria.
Hoje falaremos sobre mais dois temas que o Papa Francisco considera como urgente para a Igreja nos dias de hoje: uma Igreja em estado permanente de missão e a conversão pastoral. Esses temas estiveram presentes durante o seu primeiro ano de pontificado.
Na exortação pede que “todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessário para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da terra” (EG, 25).
É necessário que a Igreja se renove, para que assim possa cumprir cada vez melhor a sua missão de transformar tudo em Cristo: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação”
O Papa Francisco propõe uma mudança radical das estruturas, para que se tornem mais missionárias. Pede que a pastoral nas paróquias seja mais aberta, comunicativa, que os agentes pastorais tenham uma atitude de constante “saída”, para que Jesus se torne mais próximo, que as pessoas se sintam acolhidas.
Ele quer uma Igreja cada vez mais próxima, dinâmica. Em sua mensagem aos bispos do Brasil ele convidou a Igreja a exercer a sua maternidade. Uma mãe que “gera, amamenta, faz crescer, corrige, conduz pela mão [...] uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor.” (Encontro com o Episcopado brasileiro, 27/07/2013).
Ao escutarmos o Papa falar de uma mudança nas estruturas poderíamos pensar que o modelo de paróquia é algo ultrapassado, fora de moda, que não responde aos desafios de hoje.
Pelo contrário, o Papa deixa muito claro que a “paróquia não é uma estrutura caduca”, porque possui flexibilidade, podendo assumir formas variadas, dependendo da criatividade e da ousadia do Pastor e da comunidade. É a “Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e filhas”. Estando em contato com as famílias, não se tornando uma estrutura complicada, separada das pessoas, não sendo um grupo de eleitos que olham para si mesmos, tem um potencial evangelizador e missionário incrível. A Paróquia é portanto, uma comunidade de comunidades (EG, 28).
Quanto aos movimentos e novas comunidades, ele reconhece a sua riqueza para a Igreja, um dom que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores, mas pede que não percam o contato com a paróquia, que busquem integrar-se na sua pastoral:
“ [...] trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contato com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Essa integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem raízes” (EG, 29).
Essa conversão missionária é tarefa de cada Igreja particular, guiada pelo seu Bispo. Deve preocupar-se de anunciar a Cristo em outros “lugares mais necessitados, como numa constante saída para as periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais” (EG, 30).
O Bispo deve favorecer a comunhão missionária na sua Diocese caminhando junto com suas ovelhas, às vezes à frente “para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo”, outras no meio de todos “com sua proximidade simples e misericordiosa” e em certas circunstâncias atrás, “para ajudar aqueles que se atrasaram e, sobretudo, porque o próprio rebanho possui o olfato para encontrar novas estradas” (EG, 31).
O Papa Francisco vai ainda mais longe na sua proposta de renovação. Ele diz que também o “papado e as estruturas centrais da Igreja universal precisam ouvir este apelo a uma conversão pastoral” (EG, 32). Quem tem acompanhado um pouco de perto já percebe algumas mudanças na Cúria, percebem um toque de Francisco.
Fazer uma pastoral missionária exige abandonar aquele cômodo critério: “sempre fizemos assim”. O Papa convida a todos nós a “sermos ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG, 33).
Não tenhamos medo de nos lançarmos na missão, renovados pela novidade do Espírito Santo. Façamos uma pastoral mais ousada, saindo ao encontro daqueles que estão nas periferias, que estão fora da Igreja, tendo uma atenção especial aos nossos irmãos mais necessitados. Anunciemos a todos com alegria, acompanhados por Maria, o amor de Cristo ressuscitado.
Vivemos em um mundo em constante mudança, que exige que estejamos atentos aos sinais dos tempos e também que nos esforcemos em renovar as formas para que a mensagem de Cristo chegue aos corações, sem perder nada do seu conteúdo, mas sempre sendo apresentada como algo atrativo e atual. O anúncio do Evangelho deve ser alegre, ousado e criativo.
Para isso o Papa Francisco nos convida em sua exortação a renovar as formas de expressão. Ele e São João Paulo II consideram “necessária para transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no seu significado imutável” (EG, 41).
Temos consciência que a transmissão da Boa Nova, dos ensinamentos da Igreja, nem sempre será facilmente compreendida e apreciada por todos. Devo compreender, mas também aderir de coração e levar à prática na minha vida. Assim podemos falar de uma fé integral. Por isso “cada ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho” (EG 42).
Esta preocupação de transmitir a verdade da forma mais apropriada leva a Igreja a rever algumas de suas formas ou costumes (aqueles que não são diretamente ligados ao núcleo do Evangelho) que talvez não sejam os mais adequados nos dias de hoje. O Papa nos convida a não termos medo de revê-los (EG 43).
Ao evangelizar é necessário acompanhar, com misericórdia e paciência, as etapas de crescimento das pessoas, que vão se construindo dia após dia. O Papa Francisco lembra aos padres que ‘o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível” (EG, 44).
Vemos, portanto, que o anúncio do Evangelho leva em conta as limitações da linguagem, das circunstâncias e das pessoas. É valioso procurar “comunicar cada vez melhor a verdade do Evangelho num contexto determinado, sem renunciar à verdade, ao bem e à luz que pode dar quando a perfeição não é possível” (EG 45).
E para que o missionário possa anunciar cada vez melhor é necessário ser consciente destas limitações e não se fechar, nem se refugiar em esquemas rígidos que buscam se autodefender. Pelo contrário, deve lançar-se com amor, sabendo que ele também precisa constantemente ser evangelizado e entender por onde o Espírito Santo quer que ele caminhe. Ele não deve temer conseguir o bem possível, nem se sujar com a lama da estrada.
Que Maria nos ajude a sermos generosos e criativos e que com muita humildade e alegria nos lancemos a evangelizar.
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído às estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
Essas palavras do Papa Francisco podem soar a princípio um pouco duras, mas se refletimos melhor e procuramos entender porque ele nos fala isso, perceberemos que estão carregadas de amor e preocupação pela Igreja, por todos, especialmente aqueles que mais precisam.
E como o Papa quer que a Igreja saia ao encontro de todos? Com um coração de mãe, aberto a todos, especialmente os que mais precisam. Durante uma entrevista que concedeu quando esteve no Brasil na ocasião da JMJ falou que a Igreja deve ser como mãe, dar carinho, tocar, beijar, amar os seus filhos, ser próxima dos seus filhos.
Um dos sinais concretos da abertura é que a Igreja esteja com as portas abertas. O Papa fala em dois sentidos. O primeiro é de caráter prático: que as pessoas que queiram ir à Igreja para rezar, buscar a Deus, não se esbarrem com a frieza de uma porta fechada. Nesse sentido, a iniciativa “24 horas para o Senhor”, deu muitos frutos.
Há outras portas que também não devem se fechar. Deve haver espaço para que todos participem da Igreja, da vida da comunidade. Não se pode permitir que seja sempre aquele mesmo grupo que faz tudo na comunidade. Tem que abrir espaço para outras pessoas, todos podem participar de alguma forma.
E o que falar da porta da graça, dos sacramentos? O Papa fala que “não deveriam se fechar por uma razão qualquer”. Ele não quer que sejamos controladores da graça e sim facilitadores. “A Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos” (EG 47).
Que a Igreja deve chegar a todos, sem exceção, está claro para nós. Mas o Papa Francisco propõe que a Mãe Igreja dê prioridade aos pobres, doentes, aqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos. É importante lembrar que “‘os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho’ e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer [...] não os deixemos jamais sozinhos” (EG 48).
“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo![...] se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (EG 49).
Que essa palavra nos dê coragem para sair de nossa zona de conforto e buscarmos todos os nossos irmãos. Que a Igreja seja sempre mãe, a exemplo de Nossa Senhora, que não quer que nenhum dos seus filhos se perca!
Para anunciarmos as alegrias do Evangelho precisamos saber quais são os desafios do nosso mundo, saber o que precisamos transformar desde as raízes, para que a mensagem de Cristo chegue cada vez mais plenamente às pessoas e elas tenham vida em abundância, uma vida nova e alegre no Senhor Jesus.
A ganância pelo dinheiro que gera exclusão e desigualdade social
A concupiscência do ter faz com que eu seja cada vez mais egoísta e me esqueça do irmão que precisa. “O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora”. Ocorre o fenômeno que o Papa Francisco chama de cultura do “descartável”, onde as pessoas que não têm são excluídas e passam a serem “sobras”, vivendo à margem da sociedade.
Para apoiar esse estilo de vida egoísta, desenvolveu-se uma “globalização da indiferença”, onde nos tornamos incapazes de nos sensibilizar com as carências do nosso próximo e já não choramos com o drama dos outros. A responsabilidade é do outro, não nos pertence.
“A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma”. (EG, 54) Se estas palavras do Santo Padre não nos questionam, algo anda errado...
Uma das causas desta situação está na redução do ser humano a uma de suas necessidades: o consumo. Nega-se a primazia do ser humano e para substituir essa carência de humanidade, de Deus, criamos novos ídolos, neste caso o dinheiro.
O dinheiro ao invés de servir ao bem da humanidade passa a governar, a escravizar o homem, gerando uma grande desigualdade social, que gera violência: “O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los” (EG, 58). Sejamos mais humanos, mais solidários!
Alguns desafios culturais
- Reação humana contra a sociedade materialista, consumista e individualista;
- Aproveitamento das carências da população que vive nas periferias e zonas pobres, sobrevive no meio de grandes preocupações humanas e procura soluções imediatas para as suas necessidades;
- Busca preencher, dentro do individualismo reinante, um vazio deixado pelo racionalismo secularista.
Solução: Insistir na existência de normas morais objetivas, válidas para todos. Promover uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores
“Precisamos criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais [...] Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas tentações que afetam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais” (EG 77).
Veremos a seguir algumas destas tentações para que nos revisemos e possamos ser cada dia melhores discípulos e missionários de Cristo, comunicando cada vez melhor a alegria do Evangelho.
Perder o entusiasmo missionário
“Hoje se nota em muitos agentes pastorais, mesmo em pessoas consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade” (EG 78).
Com esse fino diagnóstico, o Papa Francisco identifica três males que podem ser notados em muitos agentes evangelizadores: uma acentuação do individualismo, crise de identidade e declínio do fervor.
Pelo fato da mídia e alguns ambientes intelectuais transmitirem certa desconfiança em relação à mensagem da Igreja, no caso de muitos agentes pastorais desenvolveu-se uma espécie de complexo de inferioridade que os faz relativizar ou esconder sua identidade cristã, não mostrar seus valores e convicções. “Acabam sufocando a alegria da missão numa espécie de obsessão por serem como os outros e terem o que possuem os demais. Deste modo, a tarefa da evangelização torna-se forçada e se lhe dedica pouco esforço e um tempo muito limitado” (EG 79).
Há também um tipo de relativismo mais perigoso que o doutrinal: o relativismo prático. O agente pastoral age como se Deus não existisse, decide como se os pobres não existissem, sonham como se os outros não existissem, trabalham como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem. Sobre essas pessoas o Papa lamenta profundamente:
“É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair em um estilo de vida que os leva a se agarrarem a seguranças econômicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!” (EG 80).
Perder a alegria da evangelização
Hoje um grande desafio é que as pessoas se comprometam na tarefa da evangelização. Muita gente evita participar da comunidade com medo que alguém lhe chame para ajudar em alguma tarefa apostólica e isso possa “tirar” o seu tempo livre, mexer em sua zona de conforto. Parece que esquecemos daquela frase de São João Paulo II, repetida depois por Bento XVI “Cristo não tira nada, dá tudo”.
Muitas vezes é tão difícil ter catequistas que estejam preparados e que perseverem vários anos nesta missão. Algo parecido também acontece com os sacerdotes que se preocupam obsessivamente com o seu tempo pessoal. Todo o horário e atividades acabam se adequando muitas vezes ao tempo livre do pároco, mesmo que não seja o mais adequado à realidade da paróquia.
Essa necessidade exagerada de preservar os espaços de autonomia acaba entendendo a tarefa de evangelização como um veneno perigoso, como um mal, e não com uma resposta alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos.
As atividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne desejável gera um desânimo pastoral. O Papa Francisco identifica algumas origens deste desânimo:
Esse desânimo gera um “pragmatismo cinzento da vida cotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando uma mesquinhez”. O coração acaba se deixando cativar por coisas mundanas que só geram escuridão e cansaço interior e que corroem o dinamismo apostólico.
Por isso o Papa Francisco afirma com veemência: “Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!” (EG 83).
Perder a esperança
“Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer”.
Com essa frase o Papa Francisco coloca qual deve ser a atitude do cristão diante das dificuldades: vê-las como um desafio, com a certeza de que a luz do Espírito Santo irradia na escuridão, que de um mal Deus pode tirar um bem maior. “Apesar de nos entristecerem as misérias de nosso tempo e estarmos longe de otimismos ingênuos, um maior realismo não deve significar menor confiança no Espírito nem menor generosidade” (EG 84). O realismo que estamos chamados a viver é fundado na esperança.
Uma das tentações mais sérias segundo o Papa Francisco é a sensação de derrota, que “nos transforma em pessimistas lamurientos e mal-humorados desencantados [...] Quem começa sem confiança, perdeu de antemão metade da batalha e enterra os seus talentos” (EG 85).
É muito importante lembrarmos que a vitória sempre é alcançada pela cruz, pois não há cristianismo sem cruz: “O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (EG 85).
Outra experiência que muitas vezes temos é a de deserto, onde experimentamos um vazio e um sem sentido. Quanto a isso lembremos que no deserto “é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente”.
Em meio a esse deserto somo chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Não deixemos que nos roubem a esperança!
Deixar de viver e trabalhar em comunidade
Paradoxalmente numa época em que temos grande capacidade de comunicação, com tantas redes sociais e outros meios, experimentamos um crescente individualismo, o querer fazer as coisas da minha forma, esquecendo-se de considerar o outro: “Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos” (EG 87).
A proposta cristã convidará sempre a vencer a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de que o outro invada os nossos espaços, as atitudes defensivas que nos impõem o mundo atual. Muitos querem fugir dos outros e se fechar na sua zona de conforto, no círculo reduzido dos mais íntimos, e se esquecem de que “o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reinvindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado” (EG 88).
O compromisso com o outro é um dos nossos maiores desafios dos dias de hoje: “Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro” (EG 89).
Outro desafio é conciliar a relação pessoal e comprometida que temos com Deus que ao mesmo tempo nos comprometa com o outro. Hoje existem muitas formas de “espiritualidade” que busca afastar-nos do compromisso fraterno, onde o sentir-se bem é o que mais importa. É fundamental comprometer-se, criar vínculos com as pessoas, descobrir a Cristo no rosto dos outros e não ficar pulando de galho em galho. Esse comprometer-se exige às vezes saber “sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade” (EG 91).
“Os discípulos do Senhor estão chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16). São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora. Não deixemos que nos roubem a comunidade!” (EG 92).
Não viver segundo o Evangelho
“O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal [...] uma maneira sutil de procurar ‘os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo’” (Fl 2, 21) (EG 93).
Este mundanismo espiritual pode alimentar-se no fascínio do gnosticismo e no neopelagianismo autorreferencial e prometeico.
O fascínio do gnosticismo trata-se de uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas na verdade a pessoa fica enclausurada na imanência de sua própria razão ou dos seus sentimentos. Em resumo, aquilo que me faz sentir-se bem é o que eu acredito (EG 94).
O neopelagianismo autorreferencial e prometeico é a confiança nas próprias forças, onde a pessoa se sente superior aos demais por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a certo estilo católico próprio do passado. Ao invés de facilitar a graça, fica aferrado a uma rigidez e busca controlá-la, tornando-se uma espécie de alfandegário da graça.
Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente. São manifestações de um imanentismo antropocêntrico, ou seja, o homem é o centro de tudo, sem qualquer referência ao transcendente, a Deus.
Este mundanismo busca, segundo o Papa Francisco, “dominar o espaço da Igreja”. Uma das suas manifestações é um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas que não se preocupa que o Evangelho tenha uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Acaba transformando a Igreja numa peça de museu ou numa possessão de poucos (EG 95). Em outros o mundanismo se esconde no fascínio em mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização autorreferencial. Também pode se traduzir na apresentação de si mesmo com alguém envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções. Ou num funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus, mas a Igreja como organização.
“Em qualquer um dos casos, não traz o selo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite, não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio de uma auto-complacência egocêntrica” (EG 95).
Muitos desses preferem contentar-se com ter algum poder, preferindo ser generais de exércitos derrotados antes que soldados de um batalhão que continua a lutar. (EG 96)
Qual o remédio para combatermos esse mundanismo? Colocar a “Igreja em movimento de saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos pobres. Saboreando o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos centrados em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus. Não deixemos que nos roubem o Evangelho!” (EG 97).
Não viver o amor fraterno
O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança econômica.
“Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente [...] Cuidado com a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos” (EG 99).
Com este apelo explícito o Papa Francisco é bem consciente deste mal que acontece na Igreja e que desedifica muita gente e afasta outros. Se vencemos a discórdia a damos lugar à harmonia, à reconciliação certamente os frutos serão muito maiores: “Se vivem o testemunho de comunidades autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre luz que atrai” (EG 100). Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno!
Recordando as palavras de São João Paulo II de que “‘não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor’ e sem existir uma ‘primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização’”. O Papa Francisco quer lembrar a todos os católicos que essa é uma tarefa de todos, é um dever da Igreja.
Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho
A salvação que Deus nos oferece, fruto de sua misericórdia, e que a Igreja alegremente anuncia é para todos. Deus escolheu um povo para ser o depositário dos seus dons, do seu amor misericordioso. A este povo convocou e formou. Esse povo escolhido é a Igreja, onde todos estão chamados a fazerem parte dela:
“Jesus não diz aos Apóstolos para formarem um grupo exclusivo, um grupo de elite. Jesus diz: ‘Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos’ (Mt 28,19). Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e o faz com grande respeito e amor!” (EG 113).
O Papa Francisco fala de algumas características que a Igreja deve ter: ser o fermento de Deus no meio da humanidade, ser o lugar da misericórdia divina, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida nova do Evangelho.
Deve também estar encarnada nas diversas culturas da Terra. A Igreja está chamada a inculturar-se, valorizando o que tem de riqueza cada cultura, para assim fazer que o Evangelho se faça vida em cada cultura. Esse é o verdadeiro sentido da catolicidade da Igreja: “Nos diferentes povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria cultura, a Igreja exprime a sua genuína catolicidade e mostra ‘a beleza deste rosto pluriforme’ [...] ‘cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido’” (EG 116).
A Igreja também é chamada a viver a unidade na diversidade. Bem entendida essa diversidade cultural jamais ameaça a unidade da Igreja, pois o Espírito Santo é quem constrói a comunhão e harmonia. “É Ele quem suscita uma abundante e diversificada riqueza de dons e, ao mesmo tempo, constrói uma unidade que nunca é uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai” (EG 117).
Todos somos discípulos missionários
Em virtude do Batismo cada membro da Igreja é discípulo missionário. Cada batizado, independente de sua função na Igreja e do grau de instrução de sua fé, está chamado a ser um evangelizador. A nova evangelização precisa do protagonismo de cada um dos batizados.
Apesar de constantemente precisarmos de formação, em aprofundar o Evangelho, as nossas carências não devem ser desculpa; pelo contrário, “a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer” (EG 121).
A força evangelizadora da piedade popular
Diante do desafio de inculturar o Evangelho, a piedade popular possui uma força evangelizadora particular. Trata-se de uma “verdadeira expressão da atividade missionária do povo de Deus” (EG 122).
Nela é possível captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se. Como se falou no documento de Aparecida trata-se de uma verdadeira “espiritualidade encarnada na cultura dos simples”. Não é vazia de conteúdos, mas descobre-os e exprime-os mais pela via simbólica do que pelo uso da razão.
“O caminhar juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador” (EG 124).
Essas palavras do Papa Francisco são um grande incentivo para todo o trabalho que é feito no Santuário de Aparecida, onde devotos de todas as partes do Brasil vem renovar a sua fé na casa da Mãe. E com certeza os que estão aqui ou que acompanham pelos meios de comunicação percebem a força missionária que tem. Alimentemos sempre a nossa piedade popular e saiamos ao encontro de todos, especialmente os que mais precisam.
De pessoa a pessoa
Nesta renovação missionária cada um deve “levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto os mais íntimos como aos desconhecidos” (EG 127).
São diversas formas com que podemos evangelizar! O mais importante é que façamos apostolado em toda ocasião. Cada situação cotidiana é uma oportunidade para evangelizar: seja na fila de um banco, no supermercado, numa reunião de amigos, etc.
Claro que esta evangelização deve ser respeitosa, amigável, oportuna e deve ser sempre iniciada por um diálogo pessoal, onde a outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os seus entes queridos e muitas outras coisas que tem no coração. Só depois desta conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra.
É importante ter presente que este anúncio não deve ser feito sempre com as mesmas “fórmulas pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam um conteúdo absolutamente invariável. Transmite-se de formas tão diversas que seria impossível descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito coletivo é o povo de Deus com seus gestos e sinais inumeráveis” (EG 129).
Além do anúncio de pessoa a pessoa, deve-se procurar que o Evangelho seja inculturado, ou seja, expressado com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provocando assim uma nova síntese com essa cultura. Mesmos que todo esse processo seja ser lento, não percamos a ousadia e a criatividade para anunciar o Evangelho!
Para concluir proponho voltarmos o olhar para aquela que foi a primeira discípula e missionária: Santa Maria. A Mãe que se encarna nas culturas dos povos, para transformá-las e se preocupa por cada um dos seus filhos. Se observarmos as devoções à Maria em todo o mundo, podemos tê-la como modelo de evangelização. Que a Mãe Aparecida nos dê coragem para anunciar o seu Filho a todos!
“Deter-me-ei particularmente, e até com certa meticulosidade, na homilia e sua preparação, porque são muitas as reclamações relacionadas com este ministério importante, e não podemos fechar os ouvidos. A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo” (EG 135).
Diante desta realidade muito próxima à dos fiéis o Papa Francisco oferece algumas dicas para os padres de como preparar e dar uma melhor homilia, que muitas vezes é um sofrimento tanto para o que ouve, quanto para o que prega.
Considerar o contexto litúrgico
A Homilia tem um valor especial no contexto da Eucaristia, superando toda a catequese por ser o momento mais forte do diálogo entre Deus e o seu povo, antes da comunhão sacramental. Por ser um diálogo amoroso, o pregador também deve conhecer o coração da comunidade, para saber o que eles precisam escutar.
A Homilia não deve ser em hipótese nenhuma um espetáculo de divertimento, mas deve dar fervor e significado à celebração. Também deve ser breve e de forma alguma deve se parecer a uma aula ou conferência. Se se prolonga muito, segundo o Papa Francisco lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Um exemplo disso é quando o padre fala bastante na homilia e na hora da consagração parece que está narrando uma corrida de cavalos.
A homilia deve ser uma conversa amorosa de uma mãe (Igreja) com os seus filhos. A mãe fala ao seu filho, sabendo que o filho confia de que tudo o que ela ensina é para o seu bem, porque se sente amado. A boa mãe também sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no coração do seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele.
Falando no idioma materno o coração se dispõe a ouvir melhor. Por isso o diálogo do pregador deve ser próximo, caloroso, que se perceba no tom de sua voz e na alegria dos seus gestos. “Mesmo que às vezes a homilia seja um pouco maçante, se houver este espírito materno-eclesial, será sempre fecunda” (EG 140).
Um diálogo é muito mais que a comunicação de uma verdade. Acontece pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras entre aqueles que se amam. Por isso a homilia deve chegar ao coração das pessoas e não ser apenas uma pregação puramente moralista e doutrinadora ou uma lição de exegese. A homilia deve ter um caráter quase sacramental.
O desafio de uma boa homilia é ter a capacidade de transmitir uma síntese da mensagem evangélica e não ideias ou valores soltos. “A diferença entre iluminar com sínteses e fazê-lo com ideias soltas é a mesma que há entre o ardor e o tédio. O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo” (EG 143).
A preparação
“A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral”.
O Papa Francisco inclusive pede que os párocos deem prioridade à preparação, mesmo que isso implique dedicar menos tempo a algumas tarefas importantes. Ele considera que o “pregador que não se prepara não é ‘espiritual’: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu” (EG 145).
“O primeiro passo, depois de invocar o Espírito Santo, é prestar toda a atenção ao texto bíblico, que deve ser o fundamento da pregação” (EG 146).
Essa atenção deve ser feita com muita humildade sabendo que a Palavra sempre nos transcende e que nós somos meros servidores dela. Devemos estudá-la para transmiti-la com fidelidade.
Neste exercício de interpretação é necessário paciência, atribuir tempo, interesse e dedicação. Não devemos ler um texto de forma superficial, ou buscando obter resultados rápidos, fáceis, imediatos. A preparação da pregação requer amor.
Uma primeira coisa importante na preparação é compreender adequadamente o significado das palavras que lemos. É importante considerar que o texto bíblico que estudamos tem dois ou três mil anos e sua linguagem é muito diferente da que usamos agora. Por mais que tenhamos entendido as palavras que estão traduzidas na nossa língua, isso não significa que compreendemos corretamente tudo o que o escritor sagrado queria exprimir.
Existem diversos recursos para fazer a análise literária do texto, mas “o mais importante é descobrir qual a mensagem principal, a mensagem que dá estrutura e unidade ao texto”. Se o pregador não faz este esforço, é possível também que a sua pregação não tenha unidade nem ordem; o seu discurso será apenas um súmula de várias ideias desarticuladas que não conseguirão mobilizar os outros.
A primeira coisa a se considerar é que ela “deriva de nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e marginalizados” (EG 186).
Todos somos chamados a essa missão de promover os nossos irmãos mais necessitados, para que possam integrar-se plenamente na sociedade.
O Papa nos convida a viver a “solidariedade”, que significa muito mais que alguns atos esporádicos de generosidade. Supõe uma mudança de mentalidade, onde se pense em termos de comunidade, onde o bem comum esteja por cima da apropriação dos bens por parte de alguns (EG 188). Os bens na verdade devem servir ao bem comum, à promoção do ser humano em todas as suas dimensões.
Fidelidade ao Evangelho para não correr em vão
“Este imperativo de ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no mais íntimo de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio” (EG 193).
A seguir o Papa Francisco propõe revisar alguns ensinamentos da Palavra de Deus sobre a misericórdia, para renovar-nos neste chamado, como uma das bem-aventuranças propostas por Jesus (Mt 5,5), a mensagem do apóstolo Tiago (Tg 2, 12-13) ou a afirmação do apóstolo Pedro de que “o amor cobre a multidão de pecados” (1 Pe 4,8).
Essa mensagem segundo o Santo Padre é “tão clara, tão direta, tão simples e eloquente que nenhuma hermenêutica eclesial tem o direito de relativizar (EG 194).
Quando São Paulo foi encontrar-se com Pedro e Tiago para ver se estava correndo ou tinha corrido em vão (Gl 2,2), o critério-chave de autenticidade que lhe indicaram foi que não se esquecesse dos pobres (Gl 2,10).
O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus
“No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo ‘Se fez pobre’ (2 Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres” (EG 197). A salvação veio até nós através do sim de uma jovem humilde, de um lugar humilde na periferia de um grande império. Jesus nasceu num presépio, a oferta de Maria e José na apresentação no Templo foram dois pombos, que era daqueles que não podiam pagar um cordeiro. Toda a vida de Jesus foi no meio dos pobres e humildes.
Somos chamados a descobrir Cristo nos nossos irmãos mais pobres. A ser seus amigos, a escutá-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus quer nos comunicar através deles.
Nossa proximidade aos pobres deve ser real e cordial para que possamos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Ser a opção preferencial pelos pobres o anúncio do Evangelho corre o risco de não ser compreendido ou afogar-se num mar de palavras, que muitas vezes os meios de comunicação nos apresentam.
Tenhamos então cuidado em todos os níveis, especialmente o espiritual, com os nossos irmãos mais necessitados, para que o rosto de Cristo brilhe cada dia com mais esplendor e o amor se faça real e possível.
A paz hoje se faz mais do que antes necessária. Vemos um mundo que clama pela paz, onde uma série de conflitos nos nossos dias nos chama a atenção de que é necessário colocar a nossa parte para construí-la já.
Para que a nossa alegria seja completa precisamos construí-la dia a dia. Mas o que entendemos por paz? Como construí-la? O Papa Francisco a seguir nos dá várias luzes sobre esse tema, onde como cristãos temos o dever de trabalhar por ela.
“A paz social não pode ser entendida como irenismo ou como mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem [...] não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio precário das forças”(EG 218-219).
Como podemos ver nessas breves linhas, o mundo apresenta uma série de falsas propostas de paz, que não busca ir ao cerne do problema. Porque principalmente para aqueles que estão no poder ou que buscam o poder essas propostas são mais cômodas e os deixa “tranquilos”. A paz é fruto da justiça e da reconciliação:
“Constrói-se, dia a dia, nas busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens” (EG 219). A paz busca o desenvolvimento integral da pessoa humana, o bem comum.
Para a construção da paz, justiça e fraternidade o Papa Francisco propõe quatro princípios, inspirados na Doutrina Social da Igreja, “que orientam o desenvolvimento da convivência social e construção de um povo onde as diferenças se harmonizam dentro de um projeto comum” (EG 221).
No mundo de hoje, de mudanças aceleradas queremos conquistar o máximo de coisas o mais rápido possível. Não sabemos esperar. Especialmente as novas gerações querem respostas muito rápidas.
Com esse princípio que o Papa Francisco nos dá, aprendemos a trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Nos ajuda a suportar com paciência situações difíceis ou hostis ou as mudanças de planos que a realidade muitas vezes nos exige.
Um dos pecados, segundo o Papa, é privilegiar os espaços de poder em vez do tempo dos processos. Essa atitude nos leva a proceder desesperadamente para querer resolver tudo no tempo presente, para tentar ter o máximo de espaços de poder ou autoafirmação. O critério de avaliação é o resultado imediato, não uma visão a longo prazo.
“Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem retorno” (EG 223). Os frutos podem não ser vistos imediatamente, mas com certeza são muito mais consistentes e produzem resultados mais eficazes e satisfatórios na sociedade.
Esse critério também deve ser adotado na evangelização. O próprio Jesus deu a entender a seus discípulos que havia coisas que naquele momento não podiam compreender e que era necessário esperarem o Espírito Santo (Cf. Jo 16,12-13). Também a parábola do trigo e do joio pode nos dar luzes neste sentido (cf. Mt 13, 24-30) (EG 225).
O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado. Devemos aceitar que ele é parte da realidade do mundo em que vivemos. O interessante é refletirmos sobre qual deve ser a nossa atitude diante dele.
Alguns o olham e passam adiante sem dar nenhum peso, lavando as mãos para ficarem “tranquilos” e seguirem com a vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros dele, perdendo o horizonte e projetando nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações. Para eles a unidade torna-se impossível.
Porém há outra forma, mais adequada de enfrentar o conflito: “aceitar e suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo. ‘Felizes os pacificadores’”(Mt 5,9) (EG 227).
“Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua diversidade mais profunda” (EG 228).
É a construção da unidade na diversidade, unidade que é harmonizada pelo Espírito Santo. O Espírito Santo faz a síntese de todas as realidades. Esse critério deve ser vivido em nossas paróquias, movimentos e novas comunidades.
Entendermos ao outro como valioso, portador de uma riqueza imensa e integrá-lo. Não considerá-lo como um inimigo ou obstáculo por ser diferente de mim, por pensar de outra forma que a minha. Todos enriquecem em vista de um bem maior.
Existe uma tensão entre a ideia e a realidade, pois a realidade simplesmente é e a ideia elabora-se. Entre as duas devem existir um diálogo constante, de forma que a ideia não se separe da realidade.
A ideia está a serviço da captação, compreensão e condução da realidade. A ideia desligada da realidade dá origem a idealismos e nominalismos ineficazes.
A ideia deve ser encarnada na realidade. O Verbo mesmo fez-se carne e participou de nossa realidade. A Palavra deve fazer-se vida, deve transformar a realidade. “Não por em prática a realidade a Palavra é construir sobre areia, permanecer na pura ideia e degenerar em intimismos e gnosticismos que não dão fruto, que esterilizam o seu dinamismo” (EG 233).
O todo é mais do que a parte, sendo mais do que a soma delas. “É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. [...] Trabalha-se no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspectiva mais ampla” (EG 235).
Pensando no processo de globalização que vivemos hoje, devemos ter presente o conjunto, sem perder de vista o valor de cada pessoa, de cada cultura.
Aplicando esse critério na realidade eclesial podemos pensar no valor que tem cada grupo, mas sem perder de vista que participam de uma missão maior, a missão da Igreja encomendada por Cristo: evangelizar e transformar todo o mundo.
Para concluir o Papa fala que a paz consegue-se através do diálogo. A paz é um fruto da reconciliação. Ao ver os atos de Francisco percebemos como ele em seu ministério Pontifício tem buscado aplicar esses critérios, como tem buscado o diálogo e comunhão com todos.
Sejamos promotores da paz!